Preciso de um favor

Olha, não sei como eu deveria começar. Meu psicólogo indicou essa pequena atividade para superar meus traumas, se é que alguém supera um trauma simples de sobreviver a um atentado na escola causado por seu melhor amigo. Ah, claro, ele também acertou um tiro em mim e agora sou um maldito desfigurado. Não que eu realmente me importe, pois tudo acaba hoje. Talvez eu mereça isso, digo, eu não o obriguei a puxar o gatilho e nem a comprar a arma, tudo o que fiz foi apoiar seu ódio implacável por todos aqueles que praticavam bullying com ele.

Eu sei o que todo mundo diz "bullying não é um problema sério", mas afirmo que é um problema devastador para quem sofre. Também sofri muito antes dos tiros começaram, e duvido que vão parar, já que ainda restaram alguns dos valentões de antes. Vamos esquecer disso por um instante, o verdadeiro motivo que me levou a começar a escrever aqui é o fato de meu amigo não estar tão morto. Eu sei que o vi atirar em sua própria boca, o sangue voando em direção as pessoas e a parede atrás dele, e sei que é impossível alguém sobreviver a isso, mas o vi diversas vezes.

Já o vi algumas vezes ao longe com sangue escorrendo, gritando de dor e com a arma na mão. Outras vezes ele simplesmente ficava calado e olhava para o vazio tranquilamente, como se não sentisse a dor do ferimento da bala. Ultimamente as aparições pioraram; tenho o visto em frente a minha cama, de costas e com o ferimento à mostra, o sangue escorrendo até o chão. Meus olhos demoram a se acostumar com a escuridão, e quando finalmente o escuro deixou de ser problema, a luz começou a piscar e meu amigo virou-se para mim, exibindo um sorriso maléfico ou gritando de felicidade. Comecei a enlouquecer, pensei que tudo não passava de um sonho, mas o espelho ao lado da minha cama mostrava que eu não estava dormindo.

Eu o vi pela última vez hoje. Acordei no meio da noite e lá estava ele de braços cruzados, sério e sem a marca da bala. Ele me olhou com pena, e disse que finalmente seria a última vez que eu o veria em meu quarto. Seu semblante mudou para uma tristeza angustiante, e disse que eu deveria fazer um favor a ele.

Neste momento estamos na segunda aula da manhã, o chão da escola está coberto de sangue novamente, sangue dos alunos amedrontados e mortos. Estou vendo meu corpo atirando em todos aqueles que restaram, sete meses após o suicídio de meu amigo, e também consigo o ver atirando novamente em sua própria boca, feliz com sua grande vingança.

AUTOR: Jonathan Fragoso